segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Entrevista a D. José Ornelas Carvalho, Bispo Eleito de Setúbal «Vamos fazer caminho juntos!»

D. José Ornelas Carvalho, Bispo Eleito de Setúbal, concedeu a sua primeira entrevista ao «Notícias de Setúbal», na véspera da sua partida para Roma com os outros prelados de Portugal, para a visita «Ad Limina» e para o encontro com o Santo Padre. É uma primeira oportunidade para, em discurso vivo e direto, conhecer os desafios, anseios e ideias do futuro bispo sadino para a Igreja que lhe será confiada, bem como lhe «apanhar» um pouco o sentir a propósito de alguns temas de atualidade.







Senhor Bispo, o que é que vai dizer ao Papa agora na visita Ad Limina?

Eu já lhe tinha dito: «Há uma visita ad limina, somos capazes de nos encontrar aqui, senão somos capazes de nos encontrar em Fátima»; e ele respondeu: «Bom, se ainda for vivo…». Ao Papa tenho de lhe agradecer sobretudo o apoio que me deu. O encontro com ele para mim foi o sentir realmente o que é ser bispo no seio da Igreja, o serviço que é pedido, o serviço que não é uma questão de saber se tu “queres ou não queres”, mas uma questão de saber que te é pedido e que tu fazes o melhor que sabes e podes, e isso o Papa realçou muito bem. E olhando para ele e para o seu modo de estar na Igreja, ele é um exemplo precisamente disso. Qualquer que seja o serviço que se tem na Igreja, a atitude é esta, a de acolher a palavra de Deus e pô-la ao serviço do Evangelho e do povo.

O Senhor Bispo estava em Roma aquando da transição entre o papa Bento e o Papa Francisco; como sentiu esta mudança, que deve ter sido particularmente intensa por lá?

Eu apanhei essa mudança numa visita à Congregação na América Latina. A primeira notícia veio de manhã, estava em Caracas, e o Superior dos Dehonianos de lá disse-me: “Sabes? O Papa renunciou!” Para mim fez-se como que uma luz, e disse “Graças a Deus”, não pela renúncia mas por aquilo que significa; de facto, o Papa Bento pôs em andamento uma maneira de pensar a Igreja – e para quem o conhecia, muito clara – e que veio dar a toda a estrutura da Igreja um outro sentido, que é precisamente o dizer que não é o Papa que está no centro, o Papa está ao serviço da Igreja. O que disse ele foi “eu acho que agora já não faço o serviço que é pedido para este lugar, e outro que venha para que a Igreja seja servida, para que a Igreja seja servida como deve ser”. Isto fez-nos tomar uma renovada consciência, e com realismo, daquilo que significam os serviços na Igreja, para que a Igreja seja servida e o Evangelho seja servido. Isso é o importante. Posso ser eu, pode ser outro, mas a maneira de organizar é para que a Igreja seja servida.

Como é que vê esta diferença de estilo do Papa, estas inovações na forma de estar?

Só como exemplo, duas facetas desse estilo: eu era Superior-Geral, e temos as nossas instâncias de encontro – que não têm nenhum poder sobre a vida religiosa, mas têm um papel enorme na organização, reflexão, etc – e há um Conselho Executivo que foi pedir uma audiência ao Papa. Normalmente o Papa tem os seus tempos bem estabelecidos – uma hora, três quartos de hora… Pediram-lhe audiência e ele responde: «Não, sou eu que convido! Eu preciso de estar convosco, os representantes da vida religiosa, dos padres e as irmãs. Sou eu que convido!» «Então e quanto tempo, Santo Padre?» «Venham de manhã e vamos falando!» Veio estar connosco a meio da manhã, tomou café, e foi estando assim. Este estar no meio do povo, este dizer que quer padres com cheiro ao rebanho, é uma atitude dele, sempre foi. O serviço dentro da Igreja, seja ele qual for, a que nível seja, não é para criar distâncias, é para criar um tipo de proximidade que é diferente, que faz perceber a comunhão, que faz perceber a presença mesma de Cristo no meio dos Seus.

Eu estive com ele duas vezes. Quando se está com ele, parece que ele não tem mais nada que fazer! Da última vez, dois dias antes de ele viajar para a América latina, eu sabia que ele tinha muitas coisas para preparar, imagino, mas ele recebeu-me não olhando para o relógio nem nada disso! Este estar disponível para a pessoa é aquilo que caracteriza o serviço do Evangelho: eu estou cá para servir as pessoas, não para fazer um papel bonito. Esta atitude de sair das suas preocupações para assumir as preocupações dos outros é o início do caminho do Evangelho. Para mim tudo decorre daí, porque depois as opções que ele toma, sem querer saber se são populares ou não são populares, estão a resolver os problemas da Igreja e das pessoas. E essa deve ser a nossa atitude.

«Sinto-me muito acolhido»

Que reações tem tido dos outros bispos de Portugal à sua nomeação?

Também foi outra coisa que disse ao Papa: «Se é para ser bispo, não me desagrada nada a Diocese de Setúbal». É uma diocese jovem, que está a construir-se e que tem bons inícios. Os bispos que a serviram até agora deram um testemunho, na Diocese e no contexto da Igreja portuguesa, muito significativo, e eu penso que isto é muito importante. E neste contexto da Conferência Episcopal sinto-me muito acolhido: as mensagens que me chegaram de praticamente a totalidade dos bispos são muito cordiais e muito fraternas. Chegarmos e aprendermos com os irmãos mais velhos e senti-los acolhedores de quem chega é muito importante, porque vou precisar. Há um ano e tal preguei um retiro aos bispos e há um ambiente de fraternidade. Com muitos deles tenho já uma relação de amizade antiga, alguns até já foram estudantes comigo na Universidade Católica. Vejo com muita simpatia que é uma Conferência que não é unânime nem tem que ser unânime – eu tenho medo de unanimidades apressadas – mas é uma Conferência que busca unidade dentro da atuação pastoral, e isso acho que é muito importante para o conjunto da Igreja portuguesa e para a missão da Igreja neste país.

E como é que foi a reação da sua própria família?

A família já há muito tempo que ouvia «vozes» deste género… Eu dizia: «Deixa falar, porque os que falam não sabem e os que sabem não falam». Somos oito irmãos, cinco irmãos e três irmãs e, graças a Deus, é uma alegria e uma festa quando estamos juntos; reagiram com uma certa satisfação e preocupação ao mesmo tempo, como é natural. Sinto-os muito perto. A minha família sempre teve muito bom senso, no sentido de um apoio muito claro mas ao mesmo tempo muito discreto. Os meus pais sempre nos habituaram a isso: cada um de nós tem a sua missão e por isso deve ser livre de lhe pegar. O meu irmão mais velho é padre na Diocese do Funchal e foi sempre para os irmãos todos, mas para mim particularmente, uma fonte de inspiração: já quando entrei no Seminário foi de respeito pela minha opção; depois quando entrei para a Congregação dos Dehonianos – porque queria ser missionário – tive todo o apoio dele. Sentimo-nos bem como irmãos mas ao mesmo tempo totalmente livres. Temos todos opções diferentes mas isso não obstacula a que tenhamos todos uma alegria de estar juntos muito grande.

Do que escreveu à Diocese pudemos ler que entra sem programa; contudo certamente que tem alguns anseios e algumas preocupações pastorais mais imediatas. O Senhor Bispo vai entrar com a Imagem Peregrina de Nª Sª Fátima na Diocese, e entra também às portas do Jubileu da Misericórdia, à saída do ano da Vida Religiosa e do Sínodo da Família. O que é que estes temas, tudo isto, lhe traz já como desafio para colocar á Diocese?

Traz muito de desafio, mas sobretudo muito de busca. Tudo isso tem tido um lugar muito importante na minha reflexão nos últimos dias. Quando o senhor D. Gilberto me disse que também chegava a Imagem Peregrina eu quase que pensei: mas que confusão que vai ser meter isto tudo junto! Mas depois pensei: não, isto é um sinal muito interessante!

Estes doze anos que vivi na Congregação em Roma foram doze anos de uma evolução muito grande na Europa e no mundo: quando eu comecei, 65 por cento dos Dehonianos estavam na Europa, agora são à volta de quarenta, e a diminuir; na África e na Ásia, pelo contrário, estão a subir. Isto é só um sinal de uma Igreja que está a mudar radicalmente. Assumir este sinal da Virgem Maria que peregrina na Igreja parece-me para já uma primeira chave, de uma Igreja que se põe a caminho. Não é para dizer que agora é que vamos redescobrir a Igreja, não! Mas os tempos mudaram, e o modo de estar da Igreja tem de ser diferente.

Quando digo que não trago programas é porque não posso fazer programas em Roma para a Diocese de Setúbal. Não dá para chegar aqui e aplicar um manual ou qualquer coisa assim. É um caminho que a Igreja de Setúbal tem de fazer e vamos fazê-lo juntos! Vamos fazê-lo com as comunidades, com os diáconos e com os presbíteros, com os catequistas, com os responsáveis sociais, etc. Vamos procurar, porque é isso que Deus pede à Sua Igreja, que tenha olhos abertos e ouvidos atentos, para escutar a Palavra de Deus e olhar as necessidades do lugar onde se encontra. Isto é o que nos pede o Concílio: que sejamos capazes de ler os sinais dos tempos, de fermentar esta observação com a Palavra de Deus e de encontrar caminhos – caminhos, mais do que soluções – para peregrinar. Acho que é isso que a imagem de Maria Peregrina, a imagem da Visitação nos mostra: recebe um anúncio extraordinário, que vai ser a Mãe do Salvador, mas não ficou preocupada com o seu «caso» porque há o «caso» de uma sua parente que precisa da ajuda dela; e vai colaborar com ela e ajudá-la. Esta é a imagem da Igreja sempre: de uma Igreja que se visita e visita cada um dos seus membros à procura de caminhos de comunhão, de celebração e de criar novas realidades.

Quanto ao ano da Misericórdia… Ainda esta manhã estava a ver as notícias deste menino abandonado na praia, morto… fechamos os olhos ou isto diz-nos realmente alguma coisa? Como este menino nós temos tantos meninos e tantos anciãos e tantos jovens que estão assim na praia, nas praias da humanidade, sem conselho e sem esperança. Se o nosso coração não bate diferente perante esta realidade alguma coisa vai mal.

A misericórdia é também paciência connosco próprios, a misericórdia de reconciliação entre os povos, entre tendências… Não significa criar simplesmente unanimidades, significa na diversidade criar unidade, porque só assim a riqueza se pode multiplicar, a riqueza do mundo, das ideias, das sensibilidades. Este caminho da Misericórdia é que foi, e há de ser sempre o caminho da Igreja. Nesse sentido, uma das coisas que o Papa disse que era importante manter e desenvolver era a sensibilidade da Diocese no campo social. É aquilo que sempre me ficou como descritivo de Setúbal: a sensibilidade social.

A Misericórdia é uma Misericórdia ativa, pelo que se alarga para além das próprias fronteiras da paróquia, da Diocese, das instituições, para encontrar parcerias. O que está em causa não é a beleza das nossas instituições mas as pessoas que precisam, pelo que vamos encontrar parcerias com tanta gente: com as autoridades constituídas, com outras organizações… além disso, há a necessidade de perguntar o que é que nós levamos de especifico, o sentido de tudo isto. O Papa disse: «Nós não somos uma ONG, somos mais do que isso». Pretendemos dar e apresentar uma proposta de vida que vai para além do discurso elementar de dar pão e capacidade económica às pessoas, é muito mais que isso: é dar a dignidade e a esperança a um nível diferente, e isso é o que nos traz o Evangelho.

Sínodo da Família: desafios?

Muitos! E desafios com uma agenda que não está ainda escrita! Nós temos as dificuldades e as aporias que nos traz o mundo de hoje, a tecnologia, as possibilidades que temos, a abertura e a libertação de preconceitos, etc, etc… Abriram-se as portas, mas qual é realmente o caminho que leva a uma constituição equilibrada da sociedade, da Igreja? Isto é muito mais importante que uma questão sobre se a Igreja permite ou não isto ou aquilo: é aquilo que a humanidade hoje, nesta volta da História que acontece, o que é preciso para se construir uma humanidade com justiça, com equidade, mas ao mesmo tempo com dignidade e sabedoria para o futuro? É simplesmente deixado a cada um o como se faz? O que significa verdadeiramente uma humanidade feliz e equilibrada para o futuro?
Muito disto passa pela família. Tal como ressalta bem na Encíclica do Papa sobre a Ecologia, a família não se entende só como família, mas está ligada á sociedade, à própria realização de cada pessoa dentro de um contexto familiar, ao fazer crescer dentro de um ambiente de carinho, de amor, de atenção, que não é simplesmente a questão de programas escolares ou meios económicos, mas antes de mais de se sentir pessoa, de se sentir estimado e estimulado para se tornar uma pessoa livre e criativa. E então quais são as condições necessárias para isso?

Dentro da Igreja nós temos uma tradição, e ás vezes essa tradição – e o Papa é o primeiro a dizer – não está bem equacionada porque os tempos mudaram e as respostas que temos de dar são outras. Não tenho de mudar os princípios, mas mudam as expressões deles porque a situação das pessoas é diferente hoje. Como é que vamos responder a isto?

O facto de a Igreja se ter interrogado e o próprio facto de o Sínodo ser feito em dois tempos já significa uma metodologia muito diferente. O facto de se ter interrogado o povo de Deus, a Igreja toda, para levar ao Sínodo não apenas o eco das pessoas que lá estavam mas o pensar da Igreja também esse é um caminho diferente. Com estes pressupostos, talvez este Sínodo não chegue a equações brilhantes, mas se abre o caminho para uma metodologia diferente de tratar os assuntos importantes na Igreja então vale a pena.

«Resposta da Europa tem sido egoísta»

Já o referiu há pouco, mas é a questão da atualidade, a crise dos refugiados: estamos no Sul da Europa, na linha da frente. Como é que vê o papel da Igreja, o de nos envolvermos na resposta?

Nestes dias os jornais têm sido muito claros, e creio que pela primeira vez também os políticos (nem que seja só por cálculo político): não podemos continuar a raciocinar como até agora. Fala-se da pior crise humanitária desde a II Guerra Mundial; ora, na II Guerra Mundial, sobretudo para o fim, quando a Europa se deu conta de como estava, mobilizou meios humanos, financeiros e políticos para se resolver o problema das pessoas.

Até este momento, a resposta da Europa e de cada país, seja à crise económica seja aos refugiados, tem sido muito egoísta, devemos dizer! Até certo ponto, também assim com o nosso país: como já estamos assoberbados com a crise, como é que agora vamos ligar? A Grécia, em situação económica pior que a nossa, também está na linha da frente do problema dos refugiados, e nós queremos exigir que sejam eles a tratar dos refugiados e fiquem lá com eles? Não pode ser. Os políticos fazem normalmente as contas pelos votos que as decisões dão, mas há aqui a necessidade de fazer alguma coisa.

Do ponto de vista da Igreja – não só o Papa, cuja voz se ouve – o que a Igreja faz nesta Europa, em termos de assistência direta, de assistência na linha do pensar e do agir, é muito importante, inclusivamente aqui em Portugal.
O bem que fizermos a estes refugiados deve ser bem organizado, porque obviamente há perigos em tudo isto, e a verdadeira caridade deve ser feita com inteligência e com organização. Se isto não for feito assim, estas pessoas não vão ser realmente acolhidas. A Igreja, como tem estado na linha da frente da resposta á crise a nível interno, vai estar também na linha da frente para acolher e dar apoio a estas pessoas, que precisam e estão numa situação desesperada.

Isto é um desafio para nós todos, temos de aprender e ser criativos, e cada país tem de responder a seu modo. Nós também temos o nosso modo, e já respondemos no passado: os refugiados da Bósnia que estiveram cá, as emigrações dos países do Leste, tivemos capacidade de acolher sem criar tensões os africanos que estão na nossa sociedade. É natural que haja tensões, fenómenos de rejeição e discriminação, mas na globalidade tem havido capacidade de integração a nível do tecido social. Mas isto não pode ser deixado simplesmente à espontaneidade, que é tantas vezes o nosso defeito. Estas pessoas para serem integradas têm de aprender a língua, e vão ser um contributo muito interessante para a nossa sociedade.

Os países da América do Norte e do Sul são países de imigração, essa é a riqueza deles, e acolheram gente muito interessante e gente com iniciativa. O mesmo aconteceu com os nossos emigrantes: estas pessoas já desesperadas deitaram mão do que puderam em busca de um futuro para si e para as suas famílias; estas pessoas são as mais capazes da sociedade, são aqueles que tiveram iniciativa de partir, para se inculturar, para trabalhar para os seus. É o que estão a fazer estes agora, e são pessoas muito válidas. Há outros fenómenos com os quais tem de se ter cuidado? Há, mas não podemos vê-los apenas como um peso que temos de suportar mas como uma oportunidade de abertura e enriquecimento para eles e para nós. Primeiro porque eles precisam, e quem dá acaba por receber. Se formos capazes de acolher os diferentes, vamos ter também maior capacidade de nos acolhermos uns aos outros.

«Jovens têm de ser protagonistas do caminho da Diocese»

Entra também no ano imediato de preparação para as JMJ de Cracóvia. Que é que, desde já, gostava de dizer aos jovens da sua Diocese?

Em primeiro lugar, é uma alegria contar com eles, e sei que há movimentos juvenis interessantes, a começar pelos escuteiros. Setúbal é uma Diocese que, pelo seu modo de estar, tem de apostar e tem de trabalhar com os jovens, não simplesmente como destinatários mas como protagonistas do caminho da própria Diocese. Nos meus anos na Congregação, em Roma, uma das preocupações fundamentais foi sempre a da juventude, e por uma razão muito simples, que não é moda nem coisa nenhuma: trata-se da realidade mesma de uma sociedade e do Evangelho. O Evangelho precisa de criatividade, neste tempo que estamos a viver de mudanças velozes, radicais e profundas; cada meia década estamos a mudar completamente, e os jovens são aqueles que mais sofrem, que mais são atingidos por esta realidade, fascinados ou vítimas, mas são também aqueles que são capazes de descobrir melhor as oportunidades que isto nos dá e que, mais do que nós até, podem sentir-se perdidos no meio desta evolução: porque lhes faltam os pontos de referência do passado, que têm os adultos, e porque não têm ainda a consistência própria para dar força ao mundo novo que está a nascer.

Na Igreja é igual! Uma Igreja que não tem jovens é uma Igreja que claramente está em extinção. Tal como a sociedade, com os problemas da natalidade… Mas a «Natalidade da Fé» também deve ser sublinhada: nós queremos ser uma Igreja-mãe, e uma mãe que é fecunda vela particularmente pelos filhos pequenos. Uma mãe sem filhos é uma mãe estéril, triste, e nós queremos uma Igreja que acarinha, que dá possibilidade. E dá possibilidade por que também lhes dá voz e é capaz de escutar as suas reivindicações, às vezes incómodas, mas que são precisas.
Passará por ai também um maior incremento na Pastoral Vocacional?

É daí que vem, porque se não há jovens na comunidade dificilmente vamos ter vocações. É preciso ter uma comunidade que responda aos jovens, e que eles próprios sejam protagonistas na constituição da comunidade; depois é a partir daí que também podem chegar as outras interrogações, sobre o que é que Deus quer de mim na vida, de uma vida já dada a Deus, consagrada a Deus para o serviço da comunidade e dos irmãos, particularmente os mais necessitados. Ele vai falar nisto a alguns jovens certamente, porque sempre desde os tempos de Jesus não deixou de falar, e também na nossa Diocese vai continuar a falar ao coração dos jovens.

Como vê o papel dos movimentos eclesiais na Nova Evangelização e particularmente nesta missão para a nossa Europa?

Os movimentos na Igreja têm um papel muito interessante. Nas Igrejas mais jovens os movimentos não têm uma importância tão grande, ou se têm estão inseridos dentro da comunidade porque a comunidade vive muito mais comunitariamente (passe o pleonasmo) do que por cá. As nossas Igrejas tornaram-se por vezes em «supermercados de serviços religiosos»: cada um vai lá aviar-se, e depois vai para sua casa. Uma dinâmica comunitária, de conhecimento mútuo, de interajuda, de partilha de fé e das necessidades de cada um tantas vezes nos passa ao lado! A dinâmica da fé gera a comunidade. Os movimentos respondem, antes de mais, a isto: a pessoa não vai à Igreja só para ouvir o padre falar, mas precisa de exprimir e comunicar, de partilhar e receber sobre a fé e também raciocinar sobre os seus problemas e receber a formação adequada para isso. Num movimento a pessoa tem um nome, tem voz, escuta e também pode ser escutada, porque são grupos mais pequenos. Onde a comunidade responde a isto não há tanta necessidade dos movimentos e, por isso é particularmente na Europa e na América do Norte que os movimentos são mais fortes, porque respondem a esta necessidade do processo de humanização da fé, e não há mal nisso! Se esses movimentos se integram dentro da comunidade, se não fazem uma «Igreja paralela», vão ser uma resposta á comunidade, não para a dividir mas para trazer a riqueza dos diversos aspetos e carismas de cada um deles ao serviço da própria comunidade. Então faz sentido, no modo daquilo que o Papa tem dito aos movimentos: inserir-se na comunidade, porque não há igrejas paralelas, há uma Igreja; mas essa Igreja beneficia dos movimentos na medida em que cada um traz uma atenção especial, uma focalização da fé num campo, seja para a espiritualidade pessoal, seja para o desígnio apostólico da missão. Os movimentos, além disso, ajudam a missão porque não estão ligados simplesmente à Igreja paroquial, e podem entrar mais facilmente no tecido social; além disso, podem ser uma comunhão interessante inter-paroquial ou inter-diocesana, porque passam por cima desses limites. Isto é interessante se não virmos isto como uma questão de poder, mas se virmos como um serviço, porque traz experiências, enriquece as comunidades, seja a paróquia, seja a diocese.

Como é que vê a relação entre o desejo de uma Igreja Missionária e a relação com as autoridades constituídas no território, e que também têm o seu campo de ação?

Uma relação de grande abertura e de grande independência mútua e respeito. Não é para dizer, como tantas vezes se ouve – numa interpretação completamente errada de «dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus», em que os políticos tratam de César e a Igreja trata de Deus – «estejam lá quietinhos que nós também não nos metemos nos negócios da Igreja», num respeito separado. Não é isso: a Polis - cidade, e a Polis – Fé ligam-se porque o seu objeto fundamental são as outras pessoas; sem elas não existe nem a Polis, nem a Igreja. A Igreja não se quer substituir à Polis, mas está inserida nela, no mundo. Tudo aquilo que uma pessoa faz tem sempre uma dimensão política, no sentido nobre, no sentido de construir a cidade humana, a nossa Casa Comum, como lhe chama o Papa.

Aqueles que o povo escolheu como seus representantes e para cuidarem dele merecem-me todo o respeito, toda a cordialidade, independentemente da cor do partido que os indica e que hoje está no poder. Colaborarei com qualquer que seja, porque foram aqueles que o povo elegeu. Claro que pessoalmente eu tenho opções, e tenho as orientações da Igreja.

Se virmos as coisas como uma mera questão de poder, claro que há problema, mas se as virmos na dimensão de serviço… Jesus nunca fez distinções dessas: até foi amigo de um centurião romano, cujo servo precisava de ajuda, e não impôs condições para isso. É a este nível que nós nos situamos, o do serviço das pessoas, e a este nível nós temos de colaborar com quem quer que seja, de outros credos, religiões, dos mais diversos carizes políticos. Graças a Deus tenho amigos em todo o leque político, e nunca isso foi impedimento. Aos meus amigos eu não peço que sejam da minha opinião; peço que sejam amigos e que sejamos livres de pensar cada um. Nada disso impede que eu retire nada daquilo que tenho de afirmar e devo afirmar. O Evangelho não é para dividir aos bocados, mas não impede a colaboração no que há para colaborar.

Não faço um favor a ninguém se não sou coerente com os meus princípio só para agradar a determinado indivíduo. A Igreja, o que faz, não é para ganhar votos, nem deve ser. E quando se puser nessa posição aí sim, começam a gerar-se conflitos. Sempre que for livre, será livre também profeticamente de emitir as suas opiniões e de, com a lógica da fé, propor um modelo de sociedade, não impondo-o pela razão do poder mas pela razão da razão do Evangelho.


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Nota Biográfica

D. José Ornelas Carvalho, filho de António Tomás Carvalho e Benvinda de Ornelas, nasceu a 5 de Janeiro de 1954, no Porto da Cruz, Madeira.

Foi aluno do Seminário Menor Diocesano do Funchal, entre 1964 e 1967. Desejando ser missionário, pediu para ingressar no Colégio Missionário da Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos) no Funchal (1967-1969) prosseguindo depois os estudos no Instituto Missionário, em Coimbra (1969-1971).

Depois de um ano de noviciado, emitiu a primeira profissão religiosa em Aveiro, a 29-09-1972. Após dois anos de estudos filosóficos, passou dois anos nas missões da Congregação em Moçambique (1974-1976) regressando, em seguida, a Lisboa, onde concluiu a Licenciatura em Teologia, na Universidade Católica Portuguesa (1979).

Especializou-se em Ciências Bíblicas, em Roma e Jerusalém, concluindo com a Licenciatura Canónica no Pontifício Instituto Bíblico de Roma. Foi ordenado Presbítero na sua terra natal, Porto da Cruz, a 09-08-1981.

Regressado a Portugal, em 1983, foi docente assistente e secretário da Faculdade de Teologia de Lisboa, atividade que interrompeu para preparar o doutoramento em Roma e na Alemanha (1992-1996) tendo obtido o grau de doutor em Teologia Bíblica pela Universidade Católica Portuguesa a 14- 07-1997. Na mesma universidade, retomou as atividades docentes até 2003.

Na sua Congregação, foi formador no Seminário de Alfragide, em paralelo com a atividade docente e assumiu outros cargos no âmbito da Província Portuguesa dos Dehonianos, da qual se tornou Superior Provincial a 1 de Julho de 2000. No Capítulo Geral da Congregação, foi eleito Superior Geral dos Dehonianos a 27-05-2003, cargo que ocupou até 06-06-2015.

Em 24 de Agosto de 2015 é nomeado III Bispo de Setúbal por Sua Santidade o Papa Francisco, Bispo da Diocese de Setúbal, sucedendo a D. Gilberto Délio Gonçalves Canavarro dos Reis.

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